A CRUZ DA AUTORIDADE RELIGIOSA

De fato, parece-me que Deus nos pôs a nós, os apóstolos, no último lugar, como se fôssemos condenados à morte, porque nos tornamos espetáculo para o mundo, para os anjos e para os homens. Nós somos loucos por causa de Cristo, e vós, sábios em Cristo! Nós somos fracos, e vós, fortes! Vós, honrados, e nós, desprezados! Até este momento, sofremos fome, sede e nudez, somos esbofeteados, andamos errantes, e cansamo-nos a trabalhar com as nossas próprias mãos. Amaldiçoados, abençoamos; perseguidos, aguentamos; caluniados, consolamos! Tornamo-nos, até ao presente, como o lixo do mundo e a escória do universo. Não escrevo estas coisas para vos envergonhar, mas para vos admoestar, como a meus filhos muito queridos. Na verdade, ainda que tivésseis dez mil pedagogos em Cristo, não teríeis muitos pais, porque fui eu que vos gerei em Cristo Jesus, pelo Evangelho. Rogo-vos, pois, que sejais meus imitadores.” (1ª Coríntios 4,9-16)

Os “pais” da Igreja costumam ter uma má reputação, não apenas fora da Igreja, mas também dentro dela, mesmo os “bons”. Estou refletindo sobre isso hoje, quando em minha Igreja (a Igreja Ortodoxa Russa no Exterior) celebramos São João de Xangai, e nas Igrejas que seguem o Calendário Juliano Revisado celebramos os Santos Pedro e Paulo. São João, em sua época, foi considerado difícil pela maioria de seus colegas bispos, e algumas pessoas até entraram com um processo contra ele, pelo suposto mau gerenciamento das finanças relacionadas à construção da catedral em São Francisco.

O grande São Paulo nos conta como era, já em sua época, ser um líder religioso, como um dos apóstolos de Jesus Cristo: “parece-me que Deus nos pôs a nós, os apóstolos, no último lugar”, escreve ele, “nos tornamos espetáculo para o mundo, para os anjos e para os homens”. Parece que, independentemente dos pontos fortes ou fracos de um líder religioso, seu ministério apostólico traz consigo o tipo de exposição que é mais infâmia do que fama. Talvez isso aconteça porque as “exigências” são muito altas, em uma ocupação moldada segundo o exemplo do próprio Cristo. Como São Paulo diz em outro lugar, em 1ª Coríntios 11,1: “Sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo”. (Se São Paulo, em nossos dias hipercríticos, fosse um de nossos bispos ou de nossos padres, observo, entre parênteses, que não deixaríamos de criticá-lo por chamar a si mesmo de “pai” na passagem citada acima, mesmo quando Cristo disse em Mateus 23,9: “na terra, a ninguém chameis ‘Pai’…”.)

Nesta manhã, sou grato por essa “cruz” dos líderes de nossa Igreja, que de fato são “espetáculo” para todos de uma forma que seus rebanhos não são. Por isso, oramos por eles “primeiro”, como nas comemorações no final da Anáfora da Divina Liturgia: “Lembra-Te, Senhor, em primeiro lugar…” (Ἐν πρώτοις μνήσθητι, Κύριε… / В первых помяни, Господи…). Também estou refletindo sobre o apelo de São Paulo a todos nós, para humildemente compartilharmos o “escândalo” dessa cruz, sempre que formos chamados a ser “espetáculo” como cristãos. E isso significa: “Quando amaldiçoados, devemos abençoar; quando perseguidos, devemos aguentar; quando caluniados, devemos consolar”, e assim por diante. Santos Apóstolos, e São João de Xangai, rogai a Deus por nós!

Versão brasileira: João Antunes

© 2024, Ir. Vassa Larin
www.coffeewithsistervassa.com